Saindo do impasse da mudança de escala: uma nova perspectiva para sistemas alimentares mais sustentáveis

23/07/2025
A transformação dos sistemas alimentares não é decretada de cima para baixo, mas sim construída nos interstícios dos territórios, entre iniciativas locais, dinâmicas nacionais e compromissos globais. A última edição da revista “Perspective” desmonta as ilusões da “mudança de escala” e propõe uma abordagem firmemente ancorada na realidade das transformações.
Une femme debout sur un sol aride dans le Nordest Bresilien © Freepik
Une femme debout sur un sol aride dans le Nordest Bresilien © Freepik

O Nordeste brasileiro sofre regularmente com secas severas © Freepik

  • O conceito de “mudança de escala” não resiste ao teste da realidade, pois replicar projetos-piloto não é suficiente para gerar transformações em grande escala.
  • O nível local não é apenas um ponto de partida, é uma alavanca central para fazer evoluir as políticas nacionais e internacionais. Nesse sentido, os territórios devem ser reconhecidos como espaços de inovação.
  • Apostar nos “campeões da mudança” e nos processos de mediação para levar a voz dos territórios, criar espaços de diálogo entre as escalas e estruturar iniciativas coletivas inovadoras são alavancas para sair do status quo.

Há várias décadas, a promessa de uma “mudança de escala” está no centro dos discursos sobre desenvolvimento. Trata-se de passar de iniciativas locais bem-sucedidas para políticas globais eficazes, por simples efeito de multiplicação. No entanto, esse modelo linear não consegue atender às expectativas. Na edição nº 65 da coleção “Perspective”, Patrick Caron, pesquisador do Cirad, propõe uma nova perspectiva: precisamos menos de um aumento de poder e mais de uma mudança de lógica.

Superar a exigência de mudança de escala

Em vez de procurar replicar soluções prontas, o autor defende uma dinâmica de “contaminação” entre as escalas local, nacional e internacional, na qual os territórios desempenham um papel fundamental de mediação e articulação. O resumo de políticas explora a riqueza da “bricolagem” territorial, esse trabalho de ajuste, experimentação e negociação que permite o surgimento de alternativas sustentáveis e contextualizadas. Torna-se, então, mais relevante promover o diálogo entre experiências, instituições e políticas em um ecossistema complexo e em constante evolução para impulsionar a “contaminação” desejada.

O exemplo de Massaroca, uma experiência local com repercussões nacionais

Em Massaroca, uma pequena localidade do Nordeste semiárido brasileiro, um projeto de apoio à agricultura familiar lançado na década de 1990 serviu como um verdadeiro laboratório de inovação territorial. O objetivo inicial era simples: acompanhar 250 famílias de agricultores na implementação de práticas mais sustentáveis, especialmente no que diz respeito à alimentação animal. Muito rapidamente, a experiência mostrou que os resultados não podiam ser compreendidos sem levar em conta as lógicas sociais, fundiárias e econômicas, locais e regionais. Por exemplo, em vez de seguir as recomendações técnicas sobre o cultivo de forragens, os criadores utilizaram os créditos atribuídos para cercar pastagens coletivas, alterando profundamente os usos e as relações de poder na comunidade. Este comportamento, longe de ser um fracasso, revelou na realidade tensões estruturais até então ignoradas pelas políticas públicas.

Mas a história não termina aí: os líderes comunitários de Massaroca levaram sua experiência até a capital do estado da Bahia, defendendo uma reforma dos estatutos fundiários. Essa iniciativa local colocou em debate os marcos jurídicos e fiscais que regem o uso das terras coletivas. Paralelamente, os ensinamentos de Massaroca alimentaram um zoneamento agroecológico em escala regional no Nordeste e, posteriormente, municipal, adaptado, neste caso, às realidades do território de Juazeiro (5.600 km²). Em cada nível, a análise foi contextualizada e destacou ensinamentos e linhas de ação ajustadas aos desafios específicos dessa escala.

Este exemplo mostra que a mudança não se baseia na simples replicação, mas em uma dinâmica de aprendizagem, mediação e apropriação territorial. É esse tipo de “bricolagem estratégica”, paciente e contextual, que pode inspirar verdadeiras transformações em grande escala.

 

Este policy brief está em consonância com as reflexões do Processo de Montpellier, do qual o Cirad é parte integrante. O Processo de Montpellier visa reforçar a inteligência coletiva em torno das transformações dos sistemas alimentares, apoiando-se em iniciativas locais e nacionais para impulsionar dinâmicas globais.